FLASHES DA VIDA – Minicontos de Mayrant Gallo falam de homens e passarinhos tristes. maio 28, 2010
Posted by eliesercesar in Resenhas.trackback
Subgênero da moda e preferido de muitos blogueiros, o miniconto – ao contrário do bom conto que deixa sempre uma história paralela – sugere e insinua mais do que conta. Conciso como um relâmpago, ele representa, quase sempre, flashes da vida, fugazes iluminações, fogo-fátuo da existência, luzes foscas e passageiras. Pode ser cruel e irônico, como por exemplo:
FILHAS
Minhas filhas estão bem casadas. Viajam muito com os maridos ricos. De vez em quando, apanham.
Ou primar pelo nonsense;
ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL:
Abriu uma padaria e afixou o seguinte cartaz: “NÃO DAMOS TROCO.”.
Pode ainda apelar para o aforismo:
No leito de morte, ditou seu epitáfio: A HUMANIDADE FALIU!
Curto e certeiro como uma flecha, o miniconto deixa o leitor intrigado com o que o que vem nas entrelinhas, como se fosse apenas a sugestão de uma história. Contista de grande poder de síntese e de concisão – um talento ainda mais raro quando se conta histórias sobre a complexidade da vida, o insuportável absurdo da existência e a precariedade dos gestos humanos – o escritor Mayrant Gallo vem, agora, enriquecer o universos dos minicontos com o seu mais recente livro, de nome poético que, por si só, já soa quase como um miniconto – nem mesmo os passarinhos tristes (São Paulo: Editora Multifoco, 2010) e faz o leitor indagar: que passarinhos tristes são estes e porque estão tristes, quando deveriam cantar, mesmo em gaiolas?
São mais de 100 minicontos marcados pela força do nonsense, da acidez e da admirável ironia da ficção de Mayrant Gallo, como observa o escritor Carlos Ribeiro, na apresentação desses passarinhos tristes. O miniconto que nomeia o livro é mesmo de uma beleza pungente e triste, ao falar de uma garota suicida, cuja lápide “é pobre e sem flores”, onde o mato não demora a cobrir toda a superfície “e nem mesmo os passarinhos tristes pousam ali”.
Pés no Chão é agradavelmente surpreendente, em sua tirada final:
Quando a mãe do astronauta soviético Yuri Gagarin soube, por sua sobrinha, que o filho estava em órbita no espaço, olhou de lado para a distância e comentou: “E Valentina sozinha em Moscou, com duas crianças”.
Distante dos atos politicamente corretos, o personagem de O Covarde destila ceticismo, um ceticismo que lembra os aforismos de Cioran, quando lhe cobraram envolvimento político e participação no destino do país. Diz ele:
Não há utilidade em se pensar muito. Não continuaremos. Nem o mundo.
Resposta cabal e direta á dada pelo pintor Pablo Picasso, ao responder à uma indagação de um oficial alemão de alta patente, em História da Arte:
– Foi o senhor quem pintou Guernica
– Não. Foram os senhores .
O assassinato de um rebelde é contado com a concisão de trailer de filme de ação:
Vieram buscá-lo pela manhã,
Como uma criança que medra.
Ouviu-se um click,
Um bang, um bam.
Um sussurro de terra
O Padeiro lembra a lancinante carência de contar a morte do filho do personagem de Angústia, do russo Anton Tchekov, contista de contistas:
Sua filha morrera dias antes, e ele queria de mim algumas palavras.
Ei-las, enfim, sem mais nada.
Noutro miniconto – “Unanimidade Apressada” -bdepois de afirmar que tem conhecido alguns comunistas inteligentes, um palestrante, “homem de espírito livre e sagaz”, é interrompido por alguém na platéia que o chama “lacaio ianque e imperialista” e por outro que o acusa de “vermelho de merda”, como se no clima sufocante de caça às bruxas se pudesse ser as duas coisas.
O suicídio de um homem que havia trepado no parapeito da janela, onde acabara de pousar uma passarinho (triste?), é revelado com economia de detalhes:
O passarinho voou. Ele não.
Na história mais longa (22 cenas), o leitor é apresentado às aventuras e desventuras de Nicolau e Ricardo, dois detetives destituídos do talento, da força e do charme dos detetives de filmes de TV. São anti-heróis cheios de falhas e vícios, mas demasiadamente humanos. Ou desumanos, quando cometam diante do cadáver de uma mulher, “jovem, bonita, só com a peça superior do biquíni”.
“Sabe se houve estupro?”
“parece que não”, respondeu o outro sem hesitar.
“Que desperdício”.
“É”.
É novamente Carlos Ribeiro quem define os dois detetives: “Dois agentes da lei, despidos de qualquer glamour, que correm atrás de assassinos e são vencidos pelo cansaço; atropelam e abandonam uma mulher numa estrada deserta, à noite, e não abrem os jornais por um mês, sonham com férias impossíveis, pois ‘o crime não para e os criminosos se renovam como insetos e, ao final, sempre levam vantagem’. Mas que também sonham com amores possíveis – ou impossíveis”.
São, portanto, detetives que, com muita probabilidade, estão nas ruas de Salvador ou de Camaçari, onde os criminosos não descansavam e executam policiais de verdade. Esperemos a próxima temporada das aventuras de Nicolau e Rodrigo e dos novos flashes de vida e de morte saídos da ficção de Mayrant Gallo que não tem a intenção de confortar, mas de incomodar como o destino dos homens e dos passarinhos tristes.
Excelente resenha, Elieser. Fiquei ainda mais curiosa em ler “Nem mesmo os passarinhos tristes”. Admiro muito o Gallo. Um grande abraço.
Elieser, meu amigo, um grande presente, este. E como sei o quanto você é exigente como leitor, estou duplamente feliz. Vou reproduzir no Não leia! Um forte abraço!
O novo livro do Mayrant é uma copa espessa repleta de minicontos extraordinários. Passarinhos tristes que pousam em nossa mente e nela ficam ora bicando-a com ironia ora entretendo-a com seus gorjeios instigantes.
Que esta seja a primeira de muitas outras apreciações. E que os minicontos do M. G. alcem voos cada vez mais altos, elevando seu livro ao merecido reconhecimento.
Que presente que nada: merecimento. O livro t porreta. Tanto que at cometi uns minicontos, na apreciao. S fiquei em dvida se miniconto subgnero do conto (acho que sim) e esqueci de falar em Kafka que dignificou este tipo de histria.
Forte abrao
Elieser Cesar
[…]?!
Uma resenha convite, pelo primor de ambos, o que escreveu o livro, e o que, ao ler o livro, escreveu de forma certeira sobre as páginas que lhe pusaram as mãos como os tristes pássaros das cenas Mayrantinas!!!
Boa Elieser, Boa Mayrant.Convite a Ter em Mãos estes pássaros.
Elieser, sua resenha, certeira e concisa, resume tudo. Nada a tirar, nada a acrescentar. Aquele abraço. T