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Ialorixá midiática – Stella de Oxóssi mantém coluna em jornal e escreveu livro sobre o candomblé. setembro 8, 2011

Posted by eliesercesar in Resenhas.
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O tempo de Stella de Oxóssi é agora; a essência, imemorial.

Escolhida em 19 de março de 1977, Mãe-de-Santo do Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, aos 52 anos de idade e 32 de iniciada, Maria Stella de Azevedo Santos, a Mãe Stella de  Oxóssi é, talvez, a única ialorixá dos terreiros de santo do Brasil que mantém uma coluna  semanal em jornal (A Tarde de Salvador). Em seus escritos ela demonstra a sabedoria daquela que é mais venerável das iyás da Bahia. Também escritora, Mãe Stella é uma sacerdotisa do axé avant la lettre.

 Com estilo sóbrio, didático e elegante, Mãe Stella une a tradição oral à modernidade na comunicação. Ela é a autoria do livro Meu tempo é agora, publicado em 1992 e reeditado em 2010 pela Assembléia Legislativa da Bahia. Recentemente, a ialorixá dos búzios e das letras participou do programa Com a palavra o escritor, da Fundação casa de Jorge Amado, autor que no livro Bahia de Todos os Santos considerou o Ilê Axé Opô Afonjá – Casa de força cujo sustentáculo é afonjá (qualidade de xangô), o mais importante terreiro de santo da Bahia.

 Uma ialorixá que cultiva as letras com a mesma elegância que rege os rituais de seu terreiro é mesmo uma raridade. O pendor para a escrita é explicado por Stella de Oxóssi, enfermeira aposentada antes de ser entronizada  sacerdotisa. “Não é mais possível a prática da crença nos orixás sem reflexão, estudos e entrosamentos. A  tradição somente oral é difícil nos tempos atuais. Até mesmo porque a aquisição da escrita pela humanidade é um ganho, e não uma perda” diz Stella de Oxóssi, nascida em Salvador em 2 de maio de 1925.

 

Conhecimento é caminho da perfeição

Como líder espiritual dos seus Filhos e Filhas-de-santo, ela prega o conhecimento como meio de aperfeiçoamento moral. “Não podemos ficar confinados  no Àsé [axé]. A tradição somente oral é difícil. Os Olirisa [iniciados no candomblé] têm que se alfabetizar adquirir instrução”, afirma Mãe Stella em Meu tempo é agora. No mesmo livro ela complementa: “Eu tenho transmitido conhecimento e recebido ensinamentos. A inspiração de escrever Meu tempo é agora nada mais é do que diria a cada um [filho de santo] em separado. O Àse está crescendo. Ás vezes o evento leva o que se diz, havendo a necessidade de registros. E uma coisa é certa: aprendo a cada dia que ensino”.

 Com Mãe Stella a modernidade chega ao terreiro de candomblé sem nenhum descuido com a tradição oral dos antepassados, os egúns (espíritos ancestrais). Mas sobre o que escreve a ialorixá mais conhecida da Bahia e soberana maior do candomblé, depois da morte de Mãe Meninha do Gantois, há 25 anos? Sobre a genealogia das iyás (o mesmo que iarolixá) do Ilê Axé Opó Afonjá, os filhos de santo, os rituais, modos e os costumes de sua religião e também temas polêmicos como o sincretismo religioso.

 Sobre este último anota Stella de Oxóssi: “Combato o sincretismo, repito, na intenção de valorizar a essência dos ritos, seus fundamentos, mas sei que Nação pura não existe. Isto é utopia e ignorância de nossa história”. Em seus artigos para jornal, Stella de Oxossi fala de temas candentes como a felicidade, a tolerância e também sobre o caráter volátil de toda verdade que se pretende absoluta. Diz ela, em um dos seus artigos publicados na editoria de opinião de A Tarde: “A verdade não pertence a ninguém, uma vez que cada um, de acordo com a sua trajetória de vida e as experiências adquiridas, constrói e desconstrói suas próprias verdades”. Palavras sábias de quem respeita a diversidade de pensamento e a alteridade (aquela experiência de se colocar no lugar de outrem).

 

Tolerância sem perder a firmeza jamais

Com a mesma tolerância (sem jamais abrir mão da firmeza), com que dirige seu terreiro de candomblé, Stella de Oxóssi se debruça também sobre assuntos da atualidade, como o vertiginoso mundo das informações. “Todos dizem  que vivemos na era da comunicação. Não seria melhor dizer que estamos na era da informação? Afinal, o fato de termos ao nosso alcance aparelhos que fazem com que a notícia chegue a  tempo real, com rapidez e clareza, outros que nos colocam em contato com nossos pares quase que permanentemente, não quer dizer que estamos mais capacitados para nos compreendermos mutuamente”, diz a ialorixá no artigo acertadamente intitulado “Cominique-se!”. Para a Mãe de Santo, “os deuses precisam escutar da nossa própria voz os pedidos e agradecimentos, pois, seja com deuses ou homens a comunicação é inerente à humanidade e precisa ser buscada e aprimorada sempre”.

 Candomblé era tratado como “a vergonha da Bahia”

Localizado em São Gonçalo do Retiro, o Ilê Axé Opô Afonjá foi fundado 1910, por Eugênia Anna dos Santos, a Mãe Aninha, num tempo em que, como diz  Stella de Oxóssi, “candomblé era coisa de negros ignorantes, prática fetichista, a vergonha da Bahia”. Bem longe da delicadeza da canção de Chico Buarque. Na defesa de sua religião, Mãe Aninha foi ao Rio de Janeiro para pedir ao Presidente Getúlio Vargas que acabasse com a perseguição aos terreiros de candomblé. Disso resultou o Decreto Nº 1212, que liberou a prática da religião dos orixás. Mãe Aninha morreu em 1938 e foi sucedida por Maria da Purificação Lopes, a Mãe Bada, “anciã expert em coisas da religião”, como lembra Mãe Stella, que regeu por pouco tempo.

Depois dela veio a lendária Mãe Senhora, vaidosa como Oxum e firma na condução do templo. Com a morte de Mãe Senhora, em 1967, foi entronizada Ondina Valéria Pimentel, a Mãe. Ondina. Com a morte de Ondina, em 1976, Stella de Oxóssi vira ialorixá e troca as seringas de enfermeira pelos apetrechos de Mãe-de-Santo. . “Desde então busco a perfeição”, conta ela em Meu tempo é agora.

Xangô deu forças para Stella segurar a tradição

 Para tamanha responsabilidade, Stella conta que pediu forças a xangô e conseguiu segurar a condução do Ilê Axé Opô Afonjá para se transformar naquela que é, hoje,  a ialorixá mais famoso da Bahia. “Procurei ser firme, sem ser intolerante”, recorda. Sobre o significado do axé, a ialorixá explica que a palavra passou a ter vários significados, como o local do culto – “amanhã vou o Asè” – o agradecimento por algo de bom desejado ao próximo e axé música baiana. Porém, para os iniciados “Asè significa, principalmente força, poder, energia. Segundo Stella de Oxossi o Àse (grafia que respeita a gramática yorubá) é o objetivo maior do iniciado no candomblé, para melhor servir ao mundo.

Se você vir alguém comer com as mãos, como acontece na roça, não se trata de nenhuma incivilidade para o povo de santo. Conforme Stella de Oxóssi, “a comida levada à boca tem muito mais Àse”. Os modos e costumes são respeitados com disciplina no terreiro. Ao chegar ao templo dos orixás, o Filho-de-Santo deve tirar o pó da estrada, tomando logo um banho de folha e vestindo-se adequadamente conforme a rígida hierarquia da casa. E, no caso do Ilê Axé Opô Afonjá, cumprimentar xangô.

No candomblé, o ritual iniciático, para ser completo, deve durar sete anos. Os Filhos-de-Santo devem estar bem trajados – sem ostentação, porém, com sobriedade ritualística – e munidos de esteiras e banquinhos, neste último caso para a obrigação de sete anos, pois há também a de três anos, que não confere o mesmo respeito na hierarquia do axé.

Uma tradição, para manter o zelo e a disciplina, é aplicar multa, segundo Stella de Oxóssi, “uma forma interessante de chamar a atenção e cobrar um procedimento correto, adequado à comunidade aos preceitos religiosos”. A multa não representa punição, mas uma maneira lúdica de educar, pois, diz a ialorixá “o bom humor purifica a alma e sintoniza o filho com seu Orísa”.

Fiquemos por aqui.

Axé! Palavra sagrada dos terreiros, não a desvalorização mercantilista de um tipo de música que usurpa o vocábulo do povo de santo.

 (Publicado, inicialmente, no jornal digital Bahia 247 – www.bahia247.com.br – em 7 de setembro de 2011)

 

Comentários»

1. briso - setembro 21, 2011

fantastico!!!!!!!!!!!!!!

2. thalita - julho 26, 2012

otimaaaaaaa entrevista te amamossssssss mae stella


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