A VEZ EM QUE CONHECI DARCY RIBEIRO outubro 18, 2015
Posted by eliesercesar in Artigos.trackback
Era o ano de 1981. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizava, em Salvador, a sua 33ª reunião anual. No Pavilhão de Aulas da Federação da UFBA fora montado um circo para as palestras e shows, uma novidade lúdica, como todo circo, para um evento científico e uma forma de popularizar a ciência, aproximando-a dos estudantes, como eu. Naquela tarde, seria realizada a palestra mais aguardada de todas, a de Darcy Ribeiro, anistiado há dois anos pela ditadura militar que tanto combatera e um dos últimos auxiliares do presidente deposto, João Goulart, a deixar o país, num pequeno avião, ao lado de Waldir Pires.
“Hoje é o dia de Darcy Ribeiro”, comentava-se à boca pequena, com a mesma ansiedade com que se aguarda a apresentação de um pop-star. E Darcy Ribeiro era, realmente, um pop-star, da cultura e da brasilidade. Cheguei cedo e logo em aboletei no “galinheiro”, próximo à abertura de entrada da lona, com a sensação de que assistiria a mais um espetáculo dos circos mambembes das pequenas cidades que, na infância e adolescência, apelidávamos de “tomara-que-não-chova”, pelo estado deplorável da lona, mais para queijo suíço. Mas, para a gente, meninos no interior, o Circo de Moscou da nossa aldeia.
Eu estava, portanto, espremido no “galinheiro”, o primeiro no corredor da entrada, quando um senhor de cabelos compridos, óculos de míope e o sorriso maroto de mágico que esconde o truque principal na manga do paletó, bate em minha perna. Eu me viro e ele pergunta:
– Esperando o que, rapaz?
Sem atentar para o fato de que todos sabiam o que esperávamos ali, respondo com aquela solicitude ingênua dos jovens:
– A palestra do professor Darcy Ribeiro.
– E ele vem mesmo? – indaga o desconhecido.
– Claro que vem – garanto, com a convicção religiosa de um menino que, ansioso num circo, recusa a possibilidade de que não haverá espetáculo.
O homem sorri, solidário, como se compreendesse a aflição do rapaz e se encaminha para o picadeiro. Não era o dono do circo, nem o trapezista, muito menos o palhaço. Mas era um mágico: Darcy Ribeiro.
Até hoje, muitos anos depois, tenho a sensação de que Darcy Ribeiro, erê do Brasil, tirou onda de minha cara.
Que crônica maravilhosa, Eliezer!
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