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A ÚLTIMA CARANHA – Em Lua Nova de Fevereiro, Ricardo Brugni-Cruz faz um acerto de contas com a ditadura militar. março 4, 2022

Posted by eliesercesar in Sem categoria.
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Num período em que o espectro do fascismo tupiniquim ronda o Brasil, as novas e velhas vivandeiras dos quartéis pregam o fim do regime democrático e os revisionistas de ocasião tentam minimizar os horrores do regime militar (1964-1985), chega em boa hora o novo romance do escritor baiano Ricardo Brugni-Cruz, Lua Nova de Fevereiro, publicado pela Appris Editora. Como o próprio autor define “é uma história de mar, de amor e de dor, de aventura e pescaria, que não é totalmente imaginária, pois há fatos narrados que parecem ficção”.

É muito mais. Trata-se de um acerto de contas com o passado, uma catarse em alto mar, uma vingança meticulosamente preparada contra um militar que comandava a tortura a presos políticos e até a execução de quem se opunha à ditatura militar. Na história, muitos anos depois, um homem se encontra frente a frente com o oficial que o torturou com eletrochoques nos testículos, espancamentos no pau de arara e toda sorte de humilhações para quebrar a resistência do preso.

O homem torturado é Alberto, ex-preso político que, com muita sorte escapou da morte quando, a bordo um helicóptero, era levado com outros companheiros para serem despejados na Baía de Guanambara nos chamados “voos da morte”. O  algoz é o capitão de mar e guerra Mauro Santa Bárbara, chamado de “Santo”, pelo sádico costume de desfiar o rosário e rezar o terço enquanto comandava as mais bárbaras ações nos porões da ditadura.

Na juventude, Alberto e sua jovem mulher Helena trocam a Bahia pelo Rio de Janeiro em busca do sonho de fazer cinema. Numa brutal repreensão a um protesto defronte ao Palácio do Catete, onde, em 1954, o presidente Getúlio Vargas se suicidou (adiando com o gesto extremo o golpe militar por 10 anos), Helena é morta com um tiro e Alberto preso. Aí começa o calvário do aspirante a cineasta pelas masmorras do regime militar.

FAMILIARIDADE COM O MAR

O reencontro entre o torturado e o torturador se dá anos depois, já num regime democrático que até hoje não removeu os entulhos da ditadura, o que muito contribuiu para a sensação de impunidade entre os esbirros do golpe e o crescimento de uma extrema direita ávida por uma nova ditadura tão ou mais feroz do que a quartelada de 64. O capitão Santo é o dono do barco pesqueiro Mar Bravio.

Com a ajuda de um amigo literato e pescador, Alberto consegue se infiltrar entre a pequena e experiente tripulação que parte para a pesca da caranha, “um tipo de vermelho gigante que anualmente frequenta as águas mais profundas e azuis do mar alto, bem longe da costa”. Os cardumes da caranha só aparecem durante os três dias da chamada Lua Nova de Fevereiro, “um risco de giz fluorescente, a navegar solitária no espaço” e que se assemelha à “uma pequena foice com lâminas abertas como se pretendesse colher estrelas”.

A pesca é um disputado troféu que confere a quem fisga o grande vermelho o diploma de pescador profissional. Depois da lua nova de fevereiro, as caranhas somem em busca de outras águas, levadas pelos insondáveis mistérios do mar. Na parte náutica do romance (quase todo o tempo, já que o passado entra com flashback) Ricardo Brugni-Cruz, que é médico psiquiatra e psicanalista e autor de cinco romances, demonstra todo o seu conhecimento de navegação e pescaria. Experiência própria ou fruto da leitura de Helman Melville (Moby Dick), Jack London (O Lobo do Mar), Ernest Hemingway (O velho e o mar), Julio Verne (Vinte mil léguas submarinas), Joseph Conrad (Juventude), e Jorge Amado (Mar Morto) autores citados no romance?

Essa familiaridade com o mar da Bahia e a pesca está mais próxima de outro escritor baiano, o contista Vasconcelos Maia, principalmente da memorável novela Cação de areia, uma história de amor e morte ambientada na Baía de Todos os Santos.  Em Lua Nova de Fevereiro, para o dilacerado Alberto, depois da encerrado os três dais de pescaria falta a última e feroz caranha, o oficial da reserva da Marinha conhecido por Santo.

A bordo do Mar Barvio, o ex-preso político revive seu pesadelo, processo onírico assim descrito pelo escritor e psicanalista: “ocorrência que faz despertar o sonhador, porque coloca-o de volta ou o ameaça com a eminente repetição de uma realidade duramente vivenciada no passado, do real alguma vez sofrido, colocando-o diante de lembranças que o faz tomá-las como verdadeiras…”.

De fato, um pesadelo, iluminado pela breve lua nova de fevereiro.   

SEMENTE fevereiro 18, 2022

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SEMENTE

I

Plantei muito.

Plantei amor: passou.

Plantei filhos: se foram.

Plantei árvores: arrancaram-nas.

II

Plantei abóbora, coentro,

chuchu, melão e melancia.

Plantei folha de chá para azia.

III

Plantei erva de matar lombriga.

Também plantei, no ombro,

uma mão amiga.

IV

Plantei muito mais.

Plantei uma boa conversa

com a moça e com o rapaz.

V

Hoje, de manhãzinha , desperto

e vejo o solo deserto;

meu solo, deserto!

Aí, me vem um desencanto.

VI

No entanto,

planto.

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e ao ar livre

57Florisvaldo Mattos, Carlos Verçosa e outras 55 pessoas

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SEMENTE

I

Plantei muito.

Plantei amor: passou.

Plantei filhos: se foram.

Plantei árvores: arrancaram-nas.

II

Plantei abóbora, coentro,

chuchu, melão e melancia.

Plantei folha de chá para azia.

III

Plantei erva de matar lombriga.

Também plantei, no ombro,

uma mão amiga.

IV

Plantei muito mais.

Plantei uma boa conversa

com a moça e com o rapaz.

V

Hoje, de manhãzinha , desperto

e vejo o solo deserto;

meu solo, deserto!

Aí, me vem um desencanto.

VI

No entanto,

planto.

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NÔMADE junho 16, 2021

Posted by eliesercesar in Poesia.
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Sempre procurei-me com um rosto,
uma altura, um peso, um jeito, um nome,
para, ao final, descobrir que,
dentro de mim é que sou nômade.

TRÉGUA junho 16, 2021

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Não desafio mais a vida.

Estamos fartos desse embate.

Proponho um empate.

O ESPÍRITO SECRETO DAS RUAS – Ao flanar pelo Rio de Janeiro, no começo do Século XX, João do Rio demonstrou que as ruas têm alma. março 1, 2021

Posted by eliesercesar in Resenhas.
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Esta imagem possuí um atributo alt vazio; O nome do arquivo é j-rio.png

O nome é do tamanho de uma avenida: João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, ou simplesmente João do Rio. Contemporâneo de Machado de Assis e Lima Barreto, João do Rio (1881-1921), com seu jeito de dândi tropical, transformou a reportagem jornalística numa crônica social do Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas do Século XX.

Para tal, já fazia o que todo bom jornalista deve fazer hoje em dia: bater pernas pelas ruas da cidade e não esperar que os fatos cheguem à redação refrigerada, como na época do cronista carioca em que os informes aportavam de navios com espantosa desatualidade, mas ainda assim com verniz novidadeiro para uma sociedade sequiosa por novidades.

Acima de tudo um flâneur, João do Rio se esgueirava pela cidade, enfatiotado, com o  ventre rotundo e  uma leveza de repórter emplumado. A tudo via e a tudo obervava. Nada parecia escapar de seu olhar perscrutador, pois, o que ele procurava era o espírito da cidade e alma de seu povo. O cronista sabia que toda cidade, por menor e mais provinciana que seja, tem uma alma pulsante e um coração transbordante de paixões.

Muito acima de números, estatísticas, balanços financeiros, planos econômicos salvacionistas, notícias oficiais e oficiosas, o jornalismo sempre foi a história que se desenrola no tempo presente de um povo. Como se o cronista fosse um historiador que atua no calor da hora. Disso João do Rio sabia como poucos. Os personagens de suas reportagens ou crônicas sociais (não confundir com o trabalho, anódino e bajulador, de algumas colunas sociais de hoje, produzido por garotos de recados das elites político-econômica) era o zé-povinho, a ralé, os enjeitados da sociedade que só apareciam nas páginas policais ou, com uma dose de piedade, nos obituários dos jornais (um nome, uma data de nascimento e um cemitério qualquer, um rabisco de existência).

NATA ENJEITADA

João do Rio flanou pelas ruas do Rio de Janeiro conversando com mendigos, ladrões, prostitutas, meninos que vendiam jornais, velhos cocheiros, artistas de rua, viciados; enfim toda nata rejeitada do leite derramado da sociedade.  E, das andanças de um burguês atento e curioso, produziu um belo livro de crônicas, “A alma encantadora das ruas”, reunião de reportagens escritas entre 1904 e 1907 para o jornal Gazeta de Notícias e a revista Kosmos.

Para o cronista, as ruas eram animadas, não apenas pelo fluxo de pessoas e histórias de gente, mas no sentido de também possuir uma alma que distinguia um determinado logradouro de outro:

Oh! Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas, spleenéticas, snobs, ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem pinga de sangue…

A melhor hora para observar a cidade e apreender o sentido das ruas? Com a palavra o cronista noctívago:

Qual de vós já passou a noite em claro ouvindo o segredo de cada rua? Qual de vós já sentiu o mistério, o sono, o vício, as ideias de cada bairro?

A alma da rua só é inteiramente sensível a horas tardias.

As ruas também parecem ter pensamento próprio:

Se as ruas são entes vivos, as ruas pensam, têm ideias, filosofia e religião.  Há ruas inteiramente católicas, ruas livres-pensadores e até ruas sem religião.

Porém, muito cuidado, afobado repórter, ao percorrer a cidade em busca da alma intrínseca de cada rua, cada beco, cada viela, cada bestega (rua estreita na época do cronista), ladeira, avenida ou alameda, pois, como adverte o próprio João do Rio:

Rua é como cobra. Tem veneno.

Caminhe vacinado.

Para empregar uma palavra nada eufônica, mas muito usada no tempo do cronista, o que João do Rio fez foi um panegírico das ruas.

REFELXO outubro 4, 2020

Posted by eliesercesar in Poesia.
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A vida é como um espelho.

em que você se olha.

E depois decide, se

fica na parte de dentro,

ou continua do lado de fora.

REBOCO outubro 4, 2020

Posted by eliesercesar in Poesia.
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Como uma casa, cada um

vai construindo a vida.

Um tijolo por cima do outro,

uma telha aqui e outra acolá.

O cimento, a pá, a cal,

a pintura na parede,

o quintal, a varanda e o jardim.

Por último, (já quase no fim)

os armadores e a rede.

Assim como uma casa,

cada um vai construindo a vida;

pouco a pouco.

A alma é o reboco.

BOMBA-RELÓGIO DA MENTE julho 30, 2020

Posted by eliesercesar in Artigos.
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– Como explodem as manifestações do Transtorno Afetivo Bipolar, em suas fases depressiva e maníaca.

Padecer de Transtorno Afetivo Bipolar é carregar na mente uma bomba-relógio que vai explodir, com potencial para causar muitos danos, pessoais e colaterais. A doença se apresenta em duas manifestações: a fase depressiva, na qual o paciente murcha numa letargia que o imobiliza para os prazeres da vida, exibindo uma tristeza profunda e impulsos suicidas, quando não tentam ou conseguem, de fato, cometer o suicídio; e a etapa mais visível, a maníaca, quando manifesta uma euforia despropositada, irritabilidade, comportamento irascível, impaciência, delírios de perseguição e violência, aumento da libido   que o leva a relacionamentos precipitados, inclusive com pessoas que em circunstâncias normais  não lhe despertariam muito interesse, dentre outras atitudes patológicas.

É o paroxismo da doença, quando todas as amarras parecem se romper e as virtudes se negarem. O resultado disso são danos, muitas vezes irreversíveis, causados à família e a pessoas que o doente ama, rompendo as fronteiras pessoais e interpessoais, como a vida privada e o trabalho. Na fase depressiva o perigo é maior para pessoa que sofre do Transtorno Bipolar. Na maníaca quem estiver à volta dela pode ser atingido pelos estilhados passionais de quem não é mais capaz de controlar a própria impulsividade. Daí o termo “bipolar”. Até 1980, a enfermidade era conhecida como Psicose Maníaco-Depressiva (PMN), quando o termo foi substituído pela DSM (Manual diagnóstico e estatístico dos Distúrbios mentais, publicado pela Associação Americana de Psiquiatra). (mais…)

IDEOLOGIA julho 22, 2020

Posted by eliesercesar in Poesia.
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Há socialista, fascista,
sambista, jazzista,
egoísta, altruísta,
materialista e mediúnico.
Para a morte e sua lista,
todo homem é único.

FOLHA julho 21, 2020

Posted by eliesercesar in Poesia.
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Uma folha improvável
caiu na minha sala.
Venceu seis andares,
evitou outros lares,
e veio cair na minha sala.
Muitos (com descaso) dirão:
“foi mero acaso”.
Pode até ter sido,
mas sua presença
me deixou assim: amanhecido.
Foi uma folha alada,
tênue e desgarrada,
enviada pelo vento;
uma simples folha,
verde alento.